sexta-feira, setembro 19, 2008

Diálogo!

Tem momentos dentro de nós que a solidão desencorpa e se compreender pelo outro pode fazer a diferença. Em vezes de diálogo, a vida toma perspectivas surpreendentes!

"Sono Profundo"

– Ver o demônio. É isso que meu nome significa. – dizia Diogo, enquanto ajeitava-se na cadeira do boteco.
Noite de abril, cervejas e vários amigos. Muitos rindo, e ele também. No silêncio das palavras fúteis, ele a via de perfil a fita-lo. Mais um gole, outro cigarro e muitas risadas jogadas fora.
– Desce mais uma, Goiano! – gritou um dos companheiros de farra, enquanto os demais riam.
Outra semana se passou até que este momento se deu. Trabalho e casa mal arrumada, coisa de quem já não se importa com o que não importa. Ônibus lotado, acidente, assalto: muitas pessoas andando causam confusão nos que estão parados.
– Assusta né?
– Como!? – perguntou Diogo estupefato, pego de surpresa enquanto viajava em pensamentos.
– Assusta a idéia de que vamos todos envelhecer, né? – disse a garota que estava a flertar discaradamente com ele.
– É.
A velhice veio, e derrubou tanta gente que ainda não descobri onde é o chão. Caindo se descobre a verdadeira farsa. Tapetes. Tapetes imaginários.
A vontade de ir embora assusta tanto quanto atrai. Quero sair e ver o que não tenho, e o que as pessoas não querem ter. Independência não é sinal de felicidade, mas que alivia a barra isso tenho que concordar.
O Estresse dos momentos não vividos sobrepõe qualquer esperança. Talvez pra eles seja assim, simples. Mas não é. Eu já compliquei tanto a minha vida, que não consigo desfazer os nós que me prendem a mim mesmo. E eu não gosto disso. Não mesmo.
– Não gosta do quê Diogo? Tá bêbado?
– Hehehehe... nada não... tô só perdido em pensamentos.
A garota desistiu do flerte. Acho que meu ânimo funesto não a deixou muito feliz.
– Tchau pessoal, preciso ir. Té mais!
– Tchau!
– Até mais!
– Falô!
Respostas e respostas seguem-se em despedida alegre entre amigos, que em verdade são mais colegas de copo que verdadeiros comparsas.
Andando. O movimento constante simboliza a não estaticidade da minha mente. Pena que tudo seja tão irreal, surreal a ponto de me dar ânsias. E não é a cerveja, tenho certeza.
Pé ante pé. Pernas doendo em olhos cansados. Um sorriso perdido na solidão do centro morto da cidade. São duas da madrugada, entre putas e bêbados não sei bem onde me enquadro: Vendendo minha mão de obra em um emprego indecente, ou bebendo meu salário com pessoas hipócritas.
– Café.
O que traria maior satisfação que a sustentação de mais um vício?
– Cigarros.
A sutentação de outro vício.
Carros digladiam-se nas ruas, e tenho pena das mães que esperam os filhos chegarem inteiros. Se dirigir não beba. Mas se beber e dirigir, por favor acerte um poste. Se possível no canteiro central, pra dar prejuízo somente para a prefeitura.
Olho o céu.
– Sem lua de novo.
Até a lua se recusa à minha presença.
– Você sabe que está certa. Há dor.
Meneio a cabeça, e repito o ato que há muito se mantém presente nas vidas dos desapontados. Caminho de mãos atadas, unidas por dedos que já não respondem a todos os impulsos de vontade. Braços para trás, cabeça voltada ao chão.
– Quem sabe encontro algumas moedas, ou pelo menos algo pra ler.
Se você não encontrou nada, imagine eu. Devo dizer neste momento ao leitor que por muito tempo acreditei na possibilidade inváriavel de que alguém sempre encontra as coisas que os demais perdem. Com certeza totalmente absoluta, não sou eu.
A rua se extende em uma floresta de luzes amarelas e avermelhadas, que só não me deixam ofuscado porque já o estava antes de elas resolverem aparecer para fazer compania. Acho que nem mesmo os moradores dos arredores, se é que mora alguém por aqui, conseguem me olhar com plena certeza. Há tanta dúvida no ar, tanto arrependimento nas rugas da minha testa, que devo dar medo. O mesmo medo que sinto.
Ponte. Faltam pontes entre pessoas, principalmente aquelas que tem o ego tão grande que não conseguem admitir o que sentem.
– Olha eu dando uma de hipócrita.
Paro um pouco para ver o rio e respiro fundo. Fezes.
Em meio às nuvens a melancolia grita, e a lua se mostra triste e tênue como a lâmina de um machado. Singela e ingênua como o estuprador que se diverte em maltratar crianças. Está vermelha. Deve ter chorado muito.
Agora o rio está manchado de sangue. Curioso... não esperava encontrar alguém tão reconfortante em algo tão sincero. Um rio morto manchado de sangue. Chega a ser patético.
Desisto de andar e espero. Quem sabe os céus tomam alguma providência, e me mandam um chofer com asas de fogo. Quem sabe ele não me carrega até em casa, me paga um lanche e faz um café bem forte. Depois ele vai embora com aquele monte de luzes brancas, e eu acordo. Quem sabe.
– Hora da resistência.
Levanto. Ando. Força de vontade eu tenho, mas falta saúde para terminar os quilômetros que falta até em casa.
– E para a alegria da torcida, adivinhem quem veio para o jantar? Uma bela de uma subida!
Ladeira acima vai o vento, e carrega o humor que me restava. Isso considerando que ainda havia algum.
Uma lanchonete. Carros, música. Tanta gente se divertindo. Tanto gado pastando. Produto de engorda para empresas que sustentam o ser medíocre. Humano. Um ano a mais , ou a menos, não fará diferença.
Sento, e peço um sanduíche que só daqui uns 30 anos vou reclamar por ter comido. Senão, reclamarei da cerveja. Ou do cigarro. Ou de todos.
– Faz mais um, por favor.
Fome mata.
– ... e uma cerveja.
Chego em casa sem sono. Odeio estar cansado e com insônia, principalmente quando não tenho absolutamente nada para enforcar o tempo. Bem que o tempo poderia ser mais novo, quem sabe assim ele não tentava suicídio.
Tomo um banho quente, escovo os dentes.
O reencontro é inevitável. Olho para ele nos olhos, respiro fundo e cuspo. Enxáguo a boca, enquanto ele repete meus movimentos precisamente. Não tenho mais coragem para encará-lo.
Apago a luz sabendo que ele continua lá me esperando.
– Noite boa para um assassinato.
A casa morta retorna ao repouso. O ser ilustre que ali se abriga não aguarda muito para o confronto final.
Deito-me sabendo que será difícil dormir.
Duas horas depois levanto-me, cansado de ouvir meu travesseiro resmungar respostas que eu não queria ouvir. Não aqui, não agora. Não nessa vida.
Tomo água, sabendo que engolir meus problemas pode causar uma bela de uma úlcera.
Subo as escadas correndo e entro no banheiro. Sem pensar duas vezes, dou um soco no espelho. Ele se quebra, óbvio.
Afoito, respiro fundo até recobrar o controle.
Pego uma pá e uma sacola e limpo os cacos enquanto ele me olha, de vários ângulos diferentes. É trágico para não ser fatal. O desesperado se entrega, tal qual ovelha que não vê o lobo e pula dentro da boca. Duas dentadas, e uma vida inteira para se arrepender.
Em dois minutos termino a limpeza.
Deito-me novamente, e agora o travesseiro grita. Consciência maldita que atormenta logo na hora de dormir.
– Troca de canal, fazendo favor?
Fico parado olhando pro teto e lembrando do meu medo. Meu medo. Talvez a única coisa que eu realmente tenha certeza de que é minha. Medo.
– De mim.
Tantas pessoas julgam, tantos respondem. Teorias vagas para preencher a lacuna de assunto que falta para beber outra cerveja, ou quem sabe impressionar aquela garota bonita que fica me olhando... ou apenas palavras ditas para evidenciar a ignorância pessoal. Tantos perguntam, outros se escondem. Mas quando olham no espelho, sequer têm coragem de encarar seus próprios olhos. Quem dirá dos outros.
– Hipócritas.
O sono vem silenciar minha mente, e me perco de novo.
Amanhã é outro dia.
Não estou feliz com isso.

(Ankh - 08-05-2003)

"Dialogo"

Dialogo:
Pode ser complicado tentar dizer algo e se esbarrar entre o autor e o personagem. Talvez porque o autor encanta mesmo que escondido entre os cacos estilhaçados pelo chão. Talvez porque o personagem revela os segredos que o autor tenta esconder. Talvez porque o tempo, efêmero, passou algumas horas e anos, e continua ainda! Talvez porque the music still on and(o)n and(o)n. Porque as coisas são como são e não lhe permitem parar para compreendê-las, mesmo diante do desespero e necessidade.

O que assusta é que o dia de amanhã pode ser tão tenebroso quanto o de hoje e as mesmas coisas de sempre podem acontecer exatamente como são. E de repente, buscar pode não ser uma opção, encontrar pode não ser um mérito seu. There was a day that when I woke up everything was paralised. Às vezes o movimento é petrificado diante de tantas incertezas. Às vezes você se cansa e nesses dias, a noite - companheira fiel - demora a chegar. Há dor e só a lua te compreende verdadeiramente.

Aquela garota tem outra sintonia. Fica difícil concentrar em sorrisos e olhares quando tem algo que te bloqueia e entristece por dentro. Fica difícil se permitir o outro quando não se encontra só. Fica difícil se encontrar sem saber onde se perdeu. Fica difícil interessar em mundos diferentes e irreais (ou hipócritas) (ou fúteis) (ou superficiais) ... desencontros. Há quem, uma hora qualquer, se esbarra em você na mesma percepção dos arredores. Demora. Demora tanto que às vezes que você se acostuma à solidão.

Perdido entre tantos gritos. Ensurdecedor o silêncio. Anestesiante o sono. Latejantes os desejos desconhecidos. Irritantes as horas de confissão ao travesseiro. Os olhos ardem, quase choram e ninguém responde pelos seus anseios. Encarar-se dói de novo. Talvez o medo de reconhecer-se nas fraquezas. Talvez a falta de motivação. Talvez horas desperdiçadas. Talvez a falta de ar e a agonia eminentes. Talvez o medo de entregar-se e ser tudo outra vez. Talvez a sensibilidade à flor da pele que te enobrece e expõe.

Parte do que nos afasta. Parte do que nos une. Seres humanos. Humanos? Eis que ignorar o outro é tão cômodo quanto nos ignoram. Eis que encontrar nossas confusões é o único alívio imediato. Como se nos delegassem o direito de existir. Recatados, recolhidos, remediados, repreendidos, verdadeiros. Expansivos, escancarados, mentirosos. Nem sempre os sorrisos trazem a alegria. Máscaras que nos pedem os momentos. Realidades que fantasiamos para chegar ao dia de amanhã.

O dia de amanhã pode ser tudo de novo. O dia de amanhã pode repetir ou quem sabe eu consiga resetar. Reinicio. Não. Espera trinta segundos e por segurança mais trinta. Daí você religa e espera. Começou errado? Já começa esperando de novo, esperando que dê certo. Esperando que aconteça. Correndo atrás de qualquer coisa. Talvez nem precisasse recomeçar. Apenas continuar de verdade. O dia de hoje não vai se apagar, o back up me assegura.

I was terrified and I cried. And my tears brought colors to the black and white. And maybe not the right ones. But who’s gonna be the one to tell me what colors shall these be. Let them be. Just it. As coisas são do jeito que são. Escolha-as umas às outras. Talvez o dia de amanhã não me amedronte tanto se afogo o medo junto com meus soluços. Talvez o dia de amanhã traga-me algo além. Talvez eu encontre sentido. Talvez a lua me reencontre no próximo mês. Os anos trazem as pequenas mudanças.

(Thais – 11 julho 2008)